A pergunta que motivou esse post
surgiu nas minhas divagações no busão: Como seria um apocalipse zumbi na idade
média? Pouca coisa já foi produzida com essa temática nas diferentes mídias.
Refletindo sobre, não é difícil perceber que o gênero é muito mais facilmente
ambientado no mundo contemporâneo ou futurista, por vários fatores:
Tecnologia: a grande maioria das
historias trata os zumbis como originados por uma epidemia, possivelmente algum
vírus ou bactéria. Mesmo em cenários onde a origem das criaturas não é
explicada, a forma de contagio por toque ou ferimentos nos leva a essa
conclusão. Como é improvável que a mãe natureza criasse uma catástrofe
ecológica na forma de mamíferos putrefatos comedores de cérebro, as explicações
para o fenômeno giram em torno de experiências mal sucedidas, armas biológicas
fora de controle ou ate mesmo uma praga alienígena vinda do espaço sideral
escondida me uma nave exploratória. Isso tudo pressupõe o uso da ciência de
vanguarda do século XXI.
Volume populacional: em um mundo
de bilhões de pessoas e cidades com milhões de habitantes, não só a propagação
de uma epidemia é muito mais rápida como o numero de zumbis gerados e seu poder
destrutivo será assombrosamente maior.
Interação entre diferentes
regiões: em uma época de transporte mundial ultra rápido, onde uma viagem entre
lados opostos do planeta pode durar menos de um dia, existe o potencial para
que vários surtos de zumbificação distantes milhares de quilômetros tenham como
origem a mesma pessoa. Em uma sociedade feudal, vizinhos poderiam passar
semanas sem contato e reinos relativamente próximos serem ligados por raros
barcos mercantes e vagarosas caravanas.
Lugares escassamente habitados:
terras ocupadas por moradores são muito mais comuns hoje em dia do que há mil
anos. Sair das cidades e povoados e se esconder nos montes ou nas florestas era
algo comum para vilas medievais em ataque, e locais jamais pisados pelo homem
não eram difíceis de imaginar. Em caso de um apocalipse zumbi atual que tomasse
o estado de São Paulo, uma pessoa sem um veiculo precisaria andar semanas antes
de poder se dizer relativamente segura para dormir ao relento. E teria grande
probabilidade de ser atacada durante o sono.
Ceticismo: Historias sobre mortos
que andam seriam levadas muito mais a sério em um mundo medieval do que se
espalhadas hoje em dia. O apego à religião e a superstições fariam toda uma
comunidade se trancar em casa para se proteger dos demônios comedores de gente,
enquanto hoje uma noticia dessas seria repetida por blogs nerds, teria parodia
no Youtube e viraria episodio de algum programa estilo “mito ou realidade”.
Essa descrença anularia, em parte, a imensa vantagem da comunicação de agora.
Quando todos percebessem que não era pegadinha, seria tarde demais.
Dependência do trabalho alheio:
um fazendeiro inglês do ano 800 construía a própria casa, fabricava a própria
roupa e plantava a própria comida. Grande parte das pessoas atualmente ficaria
maluca sem um micro-ondas e não saberia dizer do que o tênis que calça é feito.
Uma sociedade com um regime de trabalho imensamente especializado como o nosso é
muito mais fácil de colapsar com a perda de operários especializados e
paralização da demanda de produção e serviços, sobretudo se o motivo da greve
dos engenheiros for o fato deles estarem nas ruas grunhindo e canibalizando
geral.
Uma das coisas legais do RPG é
poder criar qualquer coisa maluca que passe pela sua cabeça, sem precisar se
preocupar com porquês. Mas eu gosto de explicar. Claro que em mundos
fantásticos, onde a magia é uma força atuante, mil e um motivos e maneiras
podem ser gerados para justificar uma campanha de sobrevivência estilo The
Walking Dead, mas com cavaleiros de armadura. Como acredito que quanto mais
coerente o cenário melhores histórias podem ser contadas, aqui estão algumas
dicas para ajudar o mestre em seu trabalho, caso se decida por tentar extinguir
as raças do seu mundo medieval em uma campanha com uma pegada “a civilização
ruiu e nenhum lugar é seguro”. Vamos a elas:
Use Cidades: provavelmente serão
de longe as áreas com maior concentração populacional do mundo. Fazer com que
continentes inteiros sejam tomados pode ser menos efetivo do que zumbificar uma
grande metrópole e obrigar os jogadores a fugir dela ou, pior, sobreviver por
um tempo indeterminado dentro desse inferno.
Espaço reduzido: em um apocalipse
zumbi, quanto mais apertado melhor. Cidades são cheias de construções, becos,
esgotos, tetos, paredes, enfim, uma infinidade de esconderijos de onde um zumbi
pode sair de repente e atacar alguém, e onde pessoas podem se perder, ser
encurraladas e pegas desprevenidas.
Ninguém entra, ninguém sai: Nada
é pior do que ser abandonado dentro de uma área de quarentena. Muralhas
medievais podem ser perfeitas para isso. Imagine a Porto Real de Game of
Thrones isolada pelo miserável do Rei Joffrey, com guardas Lanninster
trucidando quem tentar sair e multidões de zumbis soltas pelas ruas, e ate o
Montanha entraria em pânico.
Levante os mortos: é bem provável
que existam tantas pessoas mortas e enterradas do que vivas para serem
transformadas de alguma forma. Fazendo com que todos ou uma parte dos cadáveres
também integrem sua horda, os números da mesma logo podem chegar a patamares
impressionantes.
Zumbifique o mundo em segundos:
Faça com que no seu mundo os zumbis não sejam gerados por uma epidemia
crescente, mas que o processo tenha sido instantâneo, e que apenas uns poucos
seres humanos não tenham sido afetados (por um motivo ou outro). Digamos que os
zumbis foram gerados pelo deus da morte, que conseguiu destruir os outros
deuses em um único e decisivo golpe, fazendo dos pobres mortais canibais sem
mente que vagam pelo mundo numa forma macabra de adoração. Isso eliminaria
grande parte das dificuldades descritas no começo do post e faria milênios de
civilização ir por agua abaixo em instantes.
Agente transmissor: uma opção é
criar uma maneira de espalhar o vírus (ou maldição, ou seja lá o que você
inventar) de uma maneira que não dependa do contato entre humanos, mas que
tenha fácil acesso a eles. Podem ser
mosquitos, uma chuva contaminada ou a execução de algum ato específico (como
fazer o sinal da cruz ou outro gesto de proteção, pelo qual o mortal seria
castigado pelos demônios). Duas coisas são importantes neste caso: manter o
risco de contaminação ao ser ferido pelos mortos-vivos (sob o risco de perder
um dos maiores fatores de medo do gênero) e permitir que grupos de
sobreviventes se protejam da “contaminação” de alguma forma.
Magia restrita: os poderes de um
mago podem facilmente anular o terror de se perseguido por uma horda de
inimigos famintos. A capacidade de voar, de abrir buracos em pedra sólida, de
se comunicar a distancia e (óbvio) de trucidar dezenas de inimigos com uma bola
de fogo podem levar seus jogadores a rirem de seu bandinho de cadáveres.
Prefira cenários com pouca ou nenhuma magia, ou pense em criar regras que façam
o uso de poderes ser custoso para o jogador. Os zumbis podem ser atraídos por
manifestações mágicas, por exemplo. Matar uns poucos inimigos poderia lhe fazer
o alvo de milhares.
Limite às habilidades dos
sobreviventes: se os camponeses medievais são quase auto suficientes, então não
deixe os personagens serem camponeses, oras! De novo, use cidades: ali é muito
mais fácil encontrar gente que depende dos outros para viver. Se usar a dica
acima, faça com que os salvos ocupem um nicho específico da sociedade. Por exemplo,
faça com que apenas o ardiloso deus dos ladrões tenha conseguido fugir do
ataque do deus da Morte. Assim os únicos sobreviventes foram os “abençoados”:
vigaristas, assaltantes, assassinos e ladinos em geral. Antigas gangues de rua virariam
bandos errantes e guildas de malandros dominariam refúgios lotados de
armadilhas. Mas quem plantaria comida, forjaria o aço e costuraria roupa? Eles
teriam que continuar roubando os pertences da velha civilização, e é exatamente
o que queremos: cenas de assalto a despensas de tavernas infestadas e momentos
tensos por que os virotes acabaram. Ir
para as montanhas seria morrer de fome!
Conhecimento restrito: No mundo
moderno, se eu não sei algo eu leio um livro ou procuro na internet. No mundo
medieval poucos possuem acesso ao escasso conhecimento, imagine então em um
apocalipse zumbi? A busca por uma informação específica, como consertar um
moinho de água ou um mapa para os calabouços protegidos (?) do castelo do conde
pode levar a uma caçada interminável por um documento ou pessoa. A explicação
para o que aconteceu com o mundo também é uma grande motivação. Use e abuse de
lendas, profecias e superstições. Faça os zumbis terem poderes diferentes do
que seus jogadores esperariam, ou melhor ainda, engane-os e faça-os achar isso
sem ser verdade. Um zumbi entra em um refugio mega seguro por uma passagem
desconhecida: eles atravessam paredes. Um morto vivo esta em cima de uma
árvore: eles sabem escalar. Deixe-os
procurar conhecimento, mas nunca permita que fiquem confortáveis e achem uma
informação recém-descoberta 100% confiável.
Bom, é isso. Se você já tiver
criado um cenário assim, ou pensou em alguma dica para que eles fiquem mais
legais, por favor comente abaixo! Abraço a todos!
Bem legal a postagem, Heitor. Realmente, em um mundo de fantasia medieval o Apocalipse zumbi seria bem diferente. Já chegou a dar uma olhada naquele Dungeons & Zombies?
ResponderExcluirNão, não conhecia, cara. Dei uma olhada aqui e parece que encaixa exatamente com o post :) Mas tive a impressão que ele cria várias sociedades pós apocalípticas em mundos com zumbis, ao invés de focar no apocalipse em si. confere?
ExcluirComo eu disse no face, poderia até aproveitar a bagaça pra fazer um levante de Revenants (Essa sim é uma espécie de morto vivo FODA), uma coisa tipo Scorpion ou então SCP-049...
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